“Não é o seu diploma que vai dizer quem eu sou”:
a experiência do NAVCV-MG
CENTRO DE ESTUDOS EM REPARAÇÃO PSÍQUICA DE SANTA CATARINA - CERP-SC
BOLETIM INFORMATIVO N.10
BOLETIM INFORMATIVO N.10
Uma das mais exitosas experiências do país no cuidado aos efeitos psicossociais da violência, o Núcleo de Atendimento a Vítimas de Crimes Violentos de Minas Gerais (NAVCV-MG) foi o tema da primeira aula do segundo módulo do curso “Como lidar com os efeitos psicossociais da violência?”, ocorrida no último dia 10.
Para falar sobre este serviço, o CERP-SC trouxe a Florianópolis a psicóloga Gilmara Tomaz, que atuou como coordenadora técnica do NAVCV, e o jurista Bruno Martins Soares, ex-coordenador geral. Os NAVCVs surgiram na década de 1990 como um programa do Governo Federal, tendo sido posteriormente conveniados a estados, prefeituras e instituições da sociedade civil. Em Minas, o serviço existiu entre 2000 e 2015, executado por uma ONG conveniada ao governo estadual. |
Assista aqui a aula completa sobre a experiência do NAVCV-MG.
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Com o tempo, o serviço se expandiu para outras cidades, escolhidas com base nos índices de violência: além da sede em Belo Horizonte, foram criados equipamentos nas cidades de Ribeirão das Neves (região metropolitana), Governador Valadares (região leste do estado) e Montes Claros (região norte).
Em 2015, o governo estadual decidiu encerrar as atividades do NAVCV-MG. À época, as quatro unidades contavam com cerca de 40 funcionários que atendiam quase 400 pessoas.
A POTÊNCIA DO GRUPO
O NAVCV possuía uma estratégia abrangente de cuidado, ofertando aos usuários atendimento individual, familiar, em grupo, por telefone, atividades lúdicas, culturais e recreativas, rodas de conversa e visitas domiciliares, dentre outras atividades.
“Eu vejo uma potência muito grande no trabalho em grupo”, conta Gilmara.
“Muitas vezes, durante um atendimento, pensávamos: ‘poxa, se o Fulano escutasse a experiência da Sicrana, isso poderia ajudá-lo’. Foi assim que criamos o grupo 'Amor e Perda', para familiares de vítimas de homicídio”.
Além das vítimas diretas, o NAVCV atendia vítimas indiretas de violência, ou seja, pessoas que foram afetadas pela violência por manter algum vínculo afetivo com as vítimas diretas.
“O atendimento individual de pessoas em processo de luto é muito pesado, mesmo para o técnico”. No grupo, explica a psicóloga, este peso pode ser dissipado. “Cada um dos membros pode contribuir com algum conhecimento”.
TRANSDISCIPLINARIDADE
Segundo Bruno, o NAVCV trabalhava com um "conceito desafiador": a perspectiva de trabalho transdisciplinar.
“Quando nós chegamos, já estava bastante sedimentada a ideia de um trabalho interdisciplinar. Os atendimentos já eram feitos em dupla com dois profissionais de diferentes áreas: direito, serviço social e psicologia”. De acordo com Bruno, na perspectiva interdisciplinar diferentes disciplinas já atravessavam o olhar do técnico ao objeto – ou seja, ao paciente.
“Mas chegou um momento em que nós todos começamos a trazer alguns questionamentos em relação a isso”, conta o ex-coordenador geral. “Pensamos: espera aí, é importante não tratarmos a pessoa como um objeto de trabalho. Essa pessoa é um sujeito que tem plenas condições de dizer sobre si mesmo".
A partir destes questionamentos, o NAVCV passa a se esforçar para romper as barreiras colocadas pelas disciplinas. “Como uma travesti nos disse: ‘não é o seu diploma, a sua formação profissional, que vai dizer quem eu sou. Eu sei quem eu sou’”.
Não se trata, destaca Bruno, de uma desvalorização do saber acadêmico. “Trata-se da valorização equânime dos diversos saberes. O saber do usuário é tão importante, para a construção daquele atendimento, quanto o saber que eu trago da universidade”, afirma. “Inclusive, os saberes que eu trago da minha vida, fora da universidade, também são muito importantes”.
“Às vezes nós chegamos muito formatadinhos”, considera Gilmara. “Quem não tem muita pretensão de possuir um saber se abre para o novo”.
Em 2015, o governo estadual decidiu encerrar as atividades do NAVCV-MG. À época, as quatro unidades contavam com cerca de 40 funcionários que atendiam quase 400 pessoas.
A POTÊNCIA DO GRUPO
O NAVCV possuía uma estratégia abrangente de cuidado, ofertando aos usuários atendimento individual, familiar, em grupo, por telefone, atividades lúdicas, culturais e recreativas, rodas de conversa e visitas domiciliares, dentre outras atividades.
“Eu vejo uma potência muito grande no trabalho em grupo”, conta Gilmara.
“Muitas vezes, durante um atendimento, pensávamos: ‘poxa, se o Fulano escutasse a experiência da Sicrana, isso poderia ajudá-lo’. Foi assim que criamos o grupo 'Amor e Perda', para familiares de vítimas de homicídio”.
Além das vítimas diretas, o NAVCV atendia vítimas indiretas de violência, ou seja, pessoas que foram afetadas pela violência por manter algum vínculo afetivo com as vítimas diretas.
“O atendimento individual de pessoas em processo de luto é muito pesado, mesmo para o técnico”. No grupo, explica a psicóloga, este peso pode ser dissipado. “Cada um dos membros pode contribuir com algum conhecimento”.
TRANSDISCIPLINARIDADE
Segundo Bruno, o NAVCV trabalhava com um "conceito desafiador": a perspectiva de trabalho transdisciplinar.
“Quando nós chegamos, já estava bastante sedimentada a ideia de um trabalho interdisciplinar. Os atendimentos já eram feitos em dupla com dois profissionais de diferentes áreas: direito, serviço social e psicologia”. De acordo com Bruno, na perspectiva interdisciplinar diferentes disciplinas já atravessavam o olhar do técnico ao objeto – ou seja, ao paciente.
“Mas chegou um momento em que nós todos começamos a trazer alguns questionamentos em relação a isso”, conta o ex-coordenador geral. “Pensamos: espera aí, é importante não tratarmos a pessoa como um objeto de trabalho. Essa pessoa é um sujeito que tem plenas condições de dizer sobre si mesmo".
A partir destes questionamentos, o NAVCV passa a se esforçar para romper as barreiras colocadas pelas disciplinas. “Como uma travesti nos disse: ‘não é o seu diploma, a sua formação profissional, que vai dizer quem eu sou. Eu sei quem eu sou’”.
Não se trata, destaca Bruno, de uma desvalorização do saber acadêmico. “Trata-se da valorização equânime dos diversos saberes. O saber do usuário é tão importante, para a construção daquele atendimento, quanto o saber que eu trago da universidade”, afirma. “Inclusive, os saberes que eu trago da minha vida, fora da universidade, também são muito importantes”.
“Às vezes nós chegamos muito formatadinhos”, considera Gilmara. “Quem não tem muita pretensão de possuir um saber se abre para o novo”.