Marcelo Freixo:
"Os guetos são prisões e as prisões são guetos"
CENTRO DE ESTUDOS EM REPARAÇÃO PSÍQUICA DE SANTA CATARINA - CERP-SC
BOLETIM INFORMATIVO N.17
BOLETIM INFORMATIVO N.17
As prisões brasileiras são “guetos do Judiciário” e servem à criminalização e detenção da miséria. Ao mesmo tempo, os guetos urbanos funcionam como “prisões sociais”, segregando a população pobre do restante da cidade.
Convidado a falar sobre o tema “O que acontece nas prisões?”, o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ) esforçou-se para mostrar que o debate sobre o sistema prisional – ao contrário do que o título da aula poderia sugerir – ultrapassa os muros das prisões.
Convidado a falar sobre o tema “O que acontece nas prisões?”, o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ) esforçou-se para mostrar que o debate sobre o sistema prisional – ao contrário do que o título da aula poderia sugerir – ultrapassa os muros das prisões.
“O debate sobre as prisões vai muito além do que acontece ou não dentro das prisões. É um debate sobre democracia, sobre sentido de cidade e sobre qual sociedade nós queremos”.
Esse processo de criminalização da pobreza tem, segundo Freixo, relação direta com a precarização do trabalho e a redução das garantias essenciais de direito. “Se foi importante em um determinado momento da história tornar o homem do campo um proletário e adaptá-lo ao mundo do trabalho, hoje é preciso adaptar o trabalhador ao tempo do desemprego, da terceirização, da precarização”, explica. “E aí não tem outro caminho senão o Estado penal máximo, que recai sobre esses setores sobrantes”. |
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Do papel disciplinador exercido nos séculos XVIII e XIX, as prisões passariam, a partir do final do século XX, a servir à detenção da miséria. “Porque não se trata mais de criar um exército industrial de reserva. Tem uma parcela da sociedade que sobrou, que não serve, que precisa ser destituída de existência e de significado”.
PROPOSTAS CONCRETAS
Mas o fato de os problemas do sistema penitenciário estarem relacionados a questões sociais mais amplas não significa, destaca Freixo, que devamos nos abster de enfrentá-los diretamente. “Nós não podemos esperar enquanto a barbárie acontece no nosso nariz. Por isso, é fundamental que tenhamos propostas concretas”.
Como exemplos, o deputado cita a importância das audiências de custódia, instrumento processual que determina que todo preso em flagrante deve ser levado a um Juiz no prazo de 24 horas para avaliação de sua prisão.
PROPOSTAS CONCRETAS
Mas o fato de os problemas do sistema penitenciário estarem relacionados a questões sociais mais amplas não significa, destaca Freixo, que devamos nos abster de enfrentá-los diretamente. “Nós não podemos esperar enquanto a barbárie acontece no nosso nariz. Por isso, é fundamental que tenhamos propostas concretas”.
Como exemplos, o deputado cita a importância das audiências de custódia, instrumento processual que determina que todo preso em flagrante deve ser levado a um Juiz no prazo de 24 horas para avaliação de sua prisão.
Relação entre presos condenados e provisórios no Brasil.
Para acessar o estudo completo, clique aqui. |
Segundo Freixo, 42% dos presos do Brasil e 51% dos presos de Santa Catarina são provisórios.
“E, pasmem, no Rio de Janeiro um estudo recente mostrou que a maioria esmagadora dos presos provisórios, quando julgados, não recebem sentença de privação de liberdade. Ou são absolvidos, ou [são sentenciados a] prisão semiaberta ou aberta”. Outro elemento fundamental, afirma, é a fiscalização. “As prisões são espaços que precisam ser fiscalizados. Quanto mais invisíveis elas forem, quanto mais distantes elas forem, mais violentas, mais corruptas e piores para o desenvolvimento da sociedade elas serão”. |
Neste ponto, diz, as universidades poderiam exercer papel importante. À plateia majoritariamente acadêmica que lotou os 1.370 lugares do Auditório Garapuvu, na Universidade Federal de Santa Catarina, o palestrante afirmou que a universidade deve “sair dos seus privilégios” e “dos seus espaços de conforto”.
“Por que não fazer os estágios universitários dentro das prisões? Isso é barato, interessaria à universidade, interessaria ao poder público, geraria aprendizagem e seria um trabalho fundamental para as unidades prisionais”.
“Por que não fazer os estágios universitários dentro das prisões? Isso é barato, interessaria à universidade, interessaria ao poder público, geraria aprendizagem e seria um trabalho fundamental para as unidades prisionais”.
Auditório Garapuvu lotado durante Aula Magna "O que acontece nas prisões?".
REVISTAS VEXATÓRIAS
Em março de 2015, a Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) aprovou projeto de lei, de autoria de Freixo, que proíbe a revista vexatória nos presídios do Estado.
“Isso sempre me incomodou muito, porque o relato dessas mulheres sempre foi muito forte. São senhoras de 60, 70, 80 anos, que têm que ficar completamente despidas na frente de uma agente penitenciária e agachar três vezes pra ver se sai alguma coisa de seu corpo”, conta. “Elas acabam cumprindo uma pena junto com aqueles que elas estão visitando, sem que elas tenham cometido qualquer crime”.
Apenas dois parlamentares cariocas se colocaram contra o fim da revista vexatória, dentre eles Flávio Bolsonaro (PP).
“Eu disse a ele, naquele dia: eu espero, do fundo do meu coração, que ninguém da sua família seja preso. Mas, se um dia alguém for, eu vou ficar muito feliz porque sua mãe não vai precisar passar por isso”, conta Freixo. “Porque a gente nunca imagina a nossa mãe, é sempre a mãe do outro”.
Em dezembro de 2015, a Alerj aprovou projeto da bancada do PSOL que proibiu que presas grávidas sejam algemadas durante o trabalho de parto.
“As pessoas sempre me perguntam: mas elas eram algemadas? Eram. As mulheres pariam algemadas”, conta. “Isso é muito aviltante. São coisas que estão no limite do absurdo”.
SÓ É PRESO QUEM É VIGIADO
Em março de 2015, a Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) aprovou projeto de lei, de autoria de Freixo, que proíbe a revista vexatória nos presídios do Estado.
“Isso sempre me incomodou muito, porque o relato dessas mulheres sempre foi muito forte. São senhoras de 60, 70, 80 anos, que têm que ficar completamente despidas na frente de uma agente penitenciária e agachar três vezes pra ver se sai alguma coisa de seu corpo”, conta. “Elas acabam cumprindo uma pena junto com aqueles que elas estão visitando, sem que elas tenham cometido qualquer crime”.
Apenas dois parlamentares cariocas se colocaram contra o fim da revista vexatória, dentre eles Flávio Bolsonaro (PP).
“Eu disse a ele, naquele dia: eu espero, do fundo do meu coração, que ninguém da sua família seja preso. Mas, se um dia alguém for, eu vou ficar muito feliz porque sua mãe não vai precisar passar por isso”, conta Freixo. “Porque a gente nunca imagina a nossa mãe, é sempre a mãe do outro”.
Em dezembro de 2015, a Alerj aprovou projeto da bancada do PSOL que proibiu que presas grávidas sejam algemadas durante o trabalho de parto.
“As pessoas sempre me perguntam: mas elas eram algemadas? Eram. As mulheres pariam algemadas”, conta. “Isso é muito aviltante. São coisas que estão no limite do absurdo”.
SÓ É PRESO QUEM É VIGIADO
Assim como o primeiro palestrante da noite, o antropólogo Luiz Eduardo Soares, o parlamentar destacou a baixa taxa de esclarecimento de homicídios no Brasil. Segundo Soares, 92% dos homicídios cometidos no país sequer chegam a ser investigados.
“Alguém tem dúvida de que homicídio tem que ser investigado, que é prioritário?”, questionou Freixo. “Mas quem que a gente prende? Jovem, pobre, negro, morador de periferia e de baixa escolaridade. São só essas pessoas que cometem crime no país? Não. Mas por que só eles são presos? Porque a gente só prende quem a gente vigia”. Tampouco o dinheiro do tráfico, afirma, é suficientemente investigado. |
Os professores Marcela Andrade Gomes e Luiz Eduardo Soares (à esq.) assistem à palestra de Marcelo Freixo, no Auditório Garapuvu.
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“Qual é a grande investigação sobre o dinheiro do tráfico? Ou alguém acha que o dinheiro do tráfico está na favela escondido embaixo de um colchão? Ele está no mercado financeiro, está no mercado imobiliário. O caminho do dinheiro do tráfico internacional de armas e drogas não é investigado”.
Esta seleção dos territórios a serem vigiados e dos setores da população a serem presos demonstra, segundo o deputado, que o sistema penal brasileiro cumpre a função de segregação da população pobre e de detenção da miséria.
“A gente prende quem a gente quer controlar. Então nós prendemos nos territórios que nós entendemos que precisam ter vigilância”, resume Freixo. “Isso tem uma relação direta com modelo de cidade, modelo de democracia, modelo de desenvolvimento. É disso que a gente está falando”.
Esta seleção dos territórios a serem vigiados e dos setores da população a serem presos demonstra, segundo o deputado, que o sistema penal brasileiro cumpre a função de segregação da população pobre e de detenção da miséria.
“A gente prende quem a gente quer controlar. Então nós prendemos nos territórios que nós entendemos que precisam ter vigilância”, resume Freixo. “Isso tem uma relação direta com modelo de cidade, modelo de democracia, modelo de desenvolvimento. É disso que a gente está falando”.