Marco da Ros e Luziele Tapajós:
No SUS e no SUAS, resistência é a palavra da vez
CENTRO DE ESTUDOS EM REPARAÇÃO PSÍQUICA DE SANTA CATARINA - CERP-SC
BOLETIM INFORMATIVO N.26
BOLETIM INFORMATIVO N.26
Diante das perspectivas de desmonte de serviços públicos e achatamento de direitos sociais, os defensores do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) devem ter uma palavra da vez: resistência.
Essa foi a tônica da última aula do curso “Como lidar com os efeitos psicossociais da violência”, ministrada por Marco Aurélio da Ros, médico sanitarista e professor aposentado da UFSC, e pela professora do Departamento de Serviço Social da UFSC e ex-presidenta do CNAS (Conselho Nacional de Assistência Social) Luziele Tapajós.
Essa foi a tônica da última aula do curso “Como lidar com os efeitos psicossociais da violência”, ministrada por Marco Aurélio da Ros, médico sanitarista e professor aposentado da UFSC, e pela professora do Departamento de Serviço Social da UFSC e ex-presidenta do CNAS (Conselho Nacional de Assistência Social) Luziele Tapajós.
“Nós vamos ter de encontrar novas fontes para fugir de um passado em que estão nos jogando”, disse Luziele. “E, no caso do SUAS, sem qualquer perspectiva de compreensão dos direitos socioassistenciais, tão duramente conquistados”.
“A luta contra a ditadura militar, era um tempo paradoxalmente duro e de esperança”, lembra Marco. “Hoje o tempo é duro e não tem esperança. Então, é pior. A gente tem que começar a ter esperança de novo, pra ver se pode construir outro futuro”. “A SAÚDE É DETERMINADA SOCIALMENTE" |
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Foi com o conceito de saúde enunciado por Sérgio Arouca na 8ª Conferência Nacional de Saúde que o professor Marco Aurélio da Ros, conhecido como Marcão, começou a sua exposição. Naquele evento, realizado em 1986, Arouca enunciou:
“Em seu sentido mais abrangente, a saúde é a resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio-ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. É, assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida.”
“Em seu sentido mais abrangente, a saúde é a resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio-ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. É, assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida.”
Pronunciamento do sanitarista Sérgio Arouca durante a 8ª CNS.
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“A saúde é determinada socialmente. Ela não tem a sociedade como ‘um dos determinantes’”, resume Marcão. “O jeito que se organiza a sociedade causa a doença. E esse jeito é em grande medida pautado pela forma como se organiza a produção econômica”.
Após a II Guerra Mundial, explica, o modo de produção capitalista sob o marco da social-democracia ainda comportava concessões importantes à classe trabalhadora, dentre as quais o oferecimento de sistemas públicos de saúde eficientes. “A social-democracia é um marco teórico do capitalismo: ela não abre mão do capital, só faz algumas concessões ao proletariado. Mas pode-se ter um sistema de saúde digno em vigência de social-democracia”. |
No Brasil, os tímidos avanços obtidos durante o governo João Goulart viriam a se transformar em fortes retrocessos a partir do golpe civil-militar de 1964. Segundo o palestrante, a fatia do orçamento da União destinada ao Ministério da Saúde caiu de 8% para 0,8% após o golpe.
“O golpe militar durou 21 anos, que para a Saúde foram anos desastrosos”, relata. “O governo militar desmontou o pouco que estava se construindo no governo João Goulart, que tinha feito a 3ª Conferência Nacional de Saúde”.
Antes do golpe, conta Marcão, os indicadores de saúde no Brasil estavam melhorando. À época, as principais causas de doença eram as infecciosas e as nutricionais.
“A desnutrição e a morte por gastroenterite eram maciças no país inteiro. Nós tínhamos mortalidade infantil em cidades do Nordeste de 350/mil. Isso chega a cair até 200/mil. Nos primeiros 10 anos do golpe militar, volta para 350/mil. O governo militar, em nome de sustentar o capital, matou um monte de brasileiros ao não fazer políticas de saúde”.
O INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social), modelo de atendimento médico organizado pelo governo ditatorial, privilegiava a hospitalização. Segundo Marco, 10 a cada 100 consultas do INAMPS encaminhavam o paciente ao hospital; no National Health System, sistema de saúde pública britânico, eram 10 a cada 250.
“Isso gera um imaginário popular: que medicina é hospital, remédio e exame. A gente tenta desconstruir isso hoje, mas não consegue. Esse imaginário é mantido pelas indústrias de medicamentos, equipamento e hospitalar. O hospital não é o templo da saúde, é o templo da doença”.
Agora, após o golpe de 2016, o retrocesso no campo da saúde, diz Marcão, é similar ao vivido depois do golpe de 1º de abril de 1964.
“A nova política nacional da atenção básica desmonta o NASF (Núcleo de Apoio à Saúde da Família), desmonta a Atenção Básica, a Estratégia de Saúde da Família, o Agente Comunitário de Saúde”, conta. “Nós estamos retrocedendo para antes do golpe militar”.
“VAI TER LUTA”
Ainda mais grave do que a situação do SUS parece ser o desmonte pelo qual passa o SUAS (Sistema Único de Assistência Social), em torno do qual se organizam as políticas de assistência social em todo o Brasil.
“O golpe militar durou 21 anos, que para a Saúde foram anos desastrosos”, relata. “O governo militar desmontou o pouco que estava se construindo no governo João Goulart, que tinha feito a 3ª Conferência Nacional de Saúde”.
Antes do golpe, conta Marcão, os indicadores de saúde no Brasil estavam melhorando. À época, as principais causas de doença eram as infecciosas e as nutricionais.
“A desnutrição e a morte por gastroenterite eram maciças no país inteiro. Nós tínhamos mortalidade infantil em cidades do Nordeste de 350/mil. Isso chega a cair até 200/mil. Nos primeiros 10 anos do golpe militar, volta para 350/mil. O governo militar, em nome de sustentar o capital, matou um monte de brasileiros ao não fazer políticas de saúde”.
O INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social), modelo de atendimento médico organizado pelo governo ditatorial, privilegiava a hospitalização. Segundo Marco, 10 a cada 100 consultas do INAMPS encaminhavam o paciente ao hospital; no National Health System, sistema de saúde pública britânico, eram 10 a cada 250.
“Isso gera um imaginário popular: que medicina é hospital, remédio e exame. A gente tenta desconstruir isso hoje, mas não consegue. Esse imaginário é mantido pelas indústrias de medicamentos, equipamento e hospitalar. O hospital não é o templo da saúde, é o templo da doença”.
Agora, após o golpe de 2016, o retrocesso no campo da saúde, diz Marcão, é similar ao vivido depois do golpe de 1º de abril de 1964.
“A nova política nacional da atenção básica desmonta o NASF (Núcleo de Apoio à Saúde da Família), desmonta a Atenção Básica, a Estratégia de Saúde da Família, o Agente Comunitário de Saúde”, conta. “Nós estamos retrocedendo para antes do golpe militar”.
“VAI TER LUTA”
Ainda mais grave do que a situação do SUS parece ser o desmonte pelo qual passa o SUAS (Sistema Único de Assistência Social), em torno do qual se organizam as políticas de assistência social em todo o Brasil.
Ex-Secretária de Avaliação e Gestão de Informação no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e ex-presidenta do CNAS (Conselho Nacional de Assistência Social), Luziele Tapajós participou dos anos de criação e fortalecimento do SUAS.
“Em 2004, nós éramos 200 mil trabalhadores na área da Assistência Social e hoje nós somos 650 mil. Com uma política nacional de educação permanente muito interessante e regionalizada”, explica. Hoje, o SUAS tem abrangência nacional consolidada, com cerca de 8 mil centros de referência em todo o país. |
“Mas esse número já está menor”, destaca. “Com a nova não-política nacional de Assistência Social, o SUAS está absolutamente em risco. E o SUAS só existe no território a partir dos seus equipamentos”.
Segundo Luziele, mais do que um modelo de gestão, o SUAS representa uma nova maneira de compreender a Assistência Social, desconectando-a de sua ligação histórica com a ideia de “favor” e identificando-a à noção de “direito”.
“A Assistência Social é uma área que foi pasteurizada com essas ideias de bondade, caridade, benevolência, um ‘palco de moças boazinhas’”, conta. “O SUAS é uma forma de compreender a Assistência Social como uma política de condição humanizadora e emancipatória, dotada de tecnicalidades próprias”.
Diferentemente do SUS, contudo, cujo desmonte incide sobre um sistema já robusto, o SUAS enfrenta essas graves adversidades ainda em sua fase de consolidação.
“Quando estamos saindo para fazer vigorar um sistema forte, de parcerias, de proteção social não endógena, começamos a ser achatados de volta para o buraco de onde quisemos sair”, conta. “Na hora de consolidar as conquistas, vem esse machado ceifando aquilo em que a gente mais acredita”.
O chamado “novo regime fiscal”, aprovado pela PEC 95, que proíbe o crescimento real dos gastos primários da União por até vinte anos, foi classificado por Luziele como “a cicuta do SUAS”.
“Ele extermina qualquer possibilidade de manutenção de um sistema robusto e vigoroso de política social”, resume. Os cortes, entretanto, chegaram muito mais cedo.
“Daqui a 20 anos, a gente chegaria [segundo a novo regime fiscal] a menos 54% de um orçamento que já está congelado. Mas a gente não precisou esperar 20 anos. O orçamento de 2018 reduz em 98% o total de recursos para os serviços. Ele foi recomposto agora, mas foi uma recomposição mínima”, diz.
Ocorre que a raiz desse novo sistema, garante a professora, já está bem plantada. “E ela não vai ser arrancada dessa forma. Então vai ter luta, está tendo luta”, afirma.
“Precisamos falar de resistência como a palavra da vez. E somar resistência com esperança. Aquela esperança do verbo "esperançar", que para nós significa agir”.
Segundo Luziele, mais do que um modelo de gestão, o SUAS representa uma nova maneira de compreender a Assistência Social, desconectando-a de sua ligação histórica com a ideia de “favor” e identificando-a à noção de “direito”.
“A Assistência Social é uma área que foi pasteurizada com essas ideias de bondade, caridade, benevolência, um ‘palco de moças boazinhas’”, conta. “O SUAS é uma forma de compreender a Assistência Social como uma política de condição humanizadora e emancipatória, dotada de tecnicalidades próprias”.
Diferentemente do SUS, contudo, cujo desmonte incide sobre um sistema já robusto, o SUAS enfrenta essas graves adversidades ainda em sua fase de consolidação.
“Quando estamos saindo para fazer vigorar um sistema forte, de parcerias, de proteção social não endógena, começamos a ser achatados de volta para o buraco de onde quisemos sair”, conta. “Na hora de consolidar as conquistas, vem esse machado ceifando aquilo em que a gente mais acredita”.
O chamado “novo regime fiscal”, aprovado pela PEC 95, que proíbe o crescimento real dos gastos primários da União por até vinte anos, foi classificado por Luziele como “a cicuta do SUAS”.
“Ele extermina qualquer possibilidade de manutenção de um sistema robusto e vigoroso de política social”, resume. Os cortes, entretanto, chegaram muito mais cedo.
“Daqui a 20 anos, a gente chegaria [segundo a novo regime fiscal] a menos 54% de um orçamento que já está congelado. Mas a gente não precisou esperar 20 anos. O orçamento de 2018 reduz em 98% o total de recursos para os serviços. Ele foi recomposto agora, mas foi uma recomposição mínima”, diz.
Ocorre que a raiz desse novo sistema, garante a professora, já está bem plantada. “E ela não vai ser arrancada dessa forma. Então vai ter luta, está tendo luta”, afirma.
“Precisamos falar de resistência como a palavra da vez. E somar resistência com esperança. Aquela esperança do verbo "esperançar", que para nós significa agir”.