Carlos Vainer: “O deslocamento forçado é uma dimensão estruturante da realidade contemporânea"
CENTRO DE ESTUDOS EM REPARAÇÃO PSÍQUICA DE SANTA CATARINA - CERP-SC
BOLETIM INFORMATIVO N.23
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Caminhando um dia pela Vila Autódromo, comunidade da zona Oeste do Rio de Janeiro cuja luta contra a remoção tornou-se símbolo de resistência, o professor do instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ippur-UFRJ) Carlos Vainer foi interpelado por um morador.
“Professor, o senhor, que ‘sabe tudo’, me explica uma coisa. Eu trabalho como garagista naquele condomínio, ao lado da comunidade. A minha mulher faz faxina em vários apartamentos, a minha tia costura para eles e o meu filho é vigilante, ali. Por que eles gostam da gente como trabalhador, mas não gostam como vizinho?”.
Esta é a pergunta de “um professor de sociologia urbana”, diz Vainer. “Eu lhe disse: eu ‘sei tudo’, mas não sei como te responder”. Para compreendermos melhor esta questão, Vainer propõe que ela seja inserida em uma reflexão mais ampla: sobre as relações entre corpos, territórios e poder. |
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Como tentativas de retirar corpos de um dado território – a mobilização forçada – ou de obrigar corpos a permanecer em um determinado local – a imobilização forçada –, podemos inserir uma ampla gama de fenômenos sociais marcados pela opressão: remoções nas grandes cidades, criminalização das migrações, refúgio, encarceramento, apropriação territorial de populações indígenas e quilombolas etc.
“Muitas vezes o alvo é o corpo, mas o que se busca é o território, liberar terras. Outras vezes, não: o alvo é o território, mas o que se busca é o controle do corpo, o encarceramento”, explica.
A GUERRA DO DESENVOLVIMENTO
Como a população se distribui em um território? Os demógrafos, explica o professor, trabalham com três variáveis: natalidade, mortalidade e mobilidade. “Ocorre que há um monte de gente que não se move, mas é movida”.
Em um dos maiores movimentos migratórios da história, a ida de europeus para os EUA, 20 milhões de pessoas se deslocaram entre 1890 e 1920, lembra Vainer. Hoje, segundo a ONU, são mais de 65 milhões de pessoas forçosamente deslocadas de seus territórios.
Estes “deslocados pela guerra do desenvolvimento”, destaca Vainer, não fazem parte de um aspecto menor e evitável do desenvolvimento econômico capitalista; ao contrário, trata-se de um fenômeno que compõe a estrutura mesma deste modo de produção.
“O Banco Mundial diz que o ‘reassentamento involuntário tem sido companheiro de viagem do desenvolvimento ao longo da história’. A gente não está falando de um aspecto secundário da realidade contemporânea. Nós estamos falando de uma dimensão enorme e estruturante desta realidade.”
Tampouco estamos, diz, lidando com deslocamentos voluntários, decisões tomadas por indivíduos autônomos no exercício de sua liberdade individual – como quer o pensamento liberal. A esta visão, Vainer contrapõe o que chama de “pensamento estrutural”.
“Esta opção [de se deslocar] é determinada por condições estruturais que obrigam a pessoa a sair de um lugar onde ela não consegue emprego, moradia, escola”, lembra. “A opção que ela vive como exercício de sua liberdade não é senão a subjetivação das determinações estruturais. Ela vive como liberdade aquilo que lhe é imposto”.
PODER E RESISTÊNCIA
Nas grandes cidades, a reprodução do capital exige a destruição sistemática do espaço urbano.
“O capital se renova renovando o espaço urbano. Ele precisa permanentemente destruir o que existe para ser reconstruído. É o que chamamos de financeirização da cidade: o capital se territorializa e o território se capitaliza, vira objeto direto de valorização do capital”.
Vistas como entrave para o pleno exercício de controle territorial pelo capital, populações pobres que ocupam territórios urbanos há décadas são removidas, quando não criminalizadas.
“Há um processo de criminalização de todas as formas de ocupação do território que não são hoje funcionais aos processos de acumulação do capital", resume. "Eu vou passar uma estrada aqui, vou construir um shopping. Você é contra o desenvolvimento?”, ilustra Vainer.
Este poder destrutivo do capital sobre os territórios não se exerce, contudo, sem resistências. “A cada vez que uma pessoa sai da Síria para ir para a Inglaterra, ela está resistindo, construindo um contra-poder, uma contra-mobilização”.
Contra-poder que pode se exercer tanto pela via da mobilização, quanto pela imobilização deliberada - tão bem representada pela luta dos moradores da Vila Autódromo para permanecer em sua comunidade.
“Querem que a gente saia? Não saímos, nos imobilizamos. ‘Quero que você fique aqui!’. Então eu me mobilizo”. Eis, sumariza Vainer, o modo como os corpos se contrapõem ao controle territorial do capital. “Quando ele quer que eu vá, eu fico; quando ele quer que eu fique, eu vou”.
“Muitas vezes o alvo é o corpo, mas o que se busca é o território, liberar terras. Outras vezes, não: o alvo é o território, mas o que se busca é o controle do corpo, o encarceramento”, explica.
A GUERRA DO DESENVOLVIMENTO
Como a população se distribui em um território? Os demógrafos, explica o professor, trabalham com três variáveis: natalidade, mortalidade e mobilidade. “Ocorre que há um monte de gente que não se move, mas é movida”.
Em um dos maiores movimentos migratórios da história, a ida de europeus para os EUA, 20 milhões de pessoas se deslocaram entre 1890 e 1920, lembra Vainer. Hoje, segundo a ONU, são mais de 65 milhões de pessoas forçosamente deslocadas de seus territórios.
Estes “deslocados pela guerra do desenvolvimento”, destaca Vainer, não fazem parte de um aspecto menor e evitável do desenvolvimento econômico capitalista; ao contrário, trata-se de um fenômeno que compõe a estrutura mesma deste modo de produção.
“O Banco Mundial diz que o ‘reassentamento involuntário tem sido companheiro de viagem do desenvolvimento ao longo da história’. A gente não está falando de um aspecto secundário da realidade contemporânea. Nós estamos falando de uma dimensão enorme e estruturante desta realidade.”
Tampouco estamos, diz, lidando com deslocamentos voluntários, decisões tomadas por indivíduos autônomos no exercício de sua liberdade individual – como quer o pensamento liberal. A esta visão, Vainer contrapõe o que chama de “pensamento estrutural”.
“Esta opção [de se deslocar] é determinada por condições estruturais que obrigam a pessoa a sair de um lugar onde ela não consegue emprego, moradia, escola”, lembra. “A opção que ela vive como exercício de sua liberdade não é senão a subjetivação das determinações estruturais. Ela vive como liberdade aquilo que lhe é imposto”.
PODER E RESISTÊNCIA
Nas grandes cidades, a reprodução do capital exige a destruição sistemática do espaço urbano.
“O capital se renova renovando o espaço urbano. Ele precisa permanentemente destruir o que existe para ser reconstruído. É o que chamamos de financeirização da cidade: o capital se territorializa e o território se capitaliza, vira objeto direto de valorização do capital”.
Vistas como entrave para o pleno exercício de controle territorial pelo capital, populações pobres que ocupam territórios urbanos há décadas são removidas, quando não criminalizadas.
“Há um processo de criminalização de todas as formas de ocupação do território que não são hoje funcionais aos processos de acumulação do capital", resume. "Eu vou passar uma estrada aqui, vou construir um shopping. Você é contra o desenvolvimento?”, ilustra Vainer.
Este poder destrutivo do capital sobre os territórios não se exerce, contudo, sem resistências. “A cada vez que uma pessoa sai da Síria para ir para a Inglaterra, ela está resistindo, construindo um contra-poder, uma contra-mobilização”.
Contra-poder que pode se exercer tanto pela via da mobilização, quanto pela imobilização deliberada - tão bem representada pela luta dos moradores da Vila Autódromo para permanecer em sua comunidade.
“Querem que a gente saia? Não saímos, nos imobilizamos. ‘Quero que você fique aqui!’. Então eu me mobilizo”. Eis, sumariza Vainer, o modo como os corpos se contrapõem ao controle territorial do capital. “Quando ele quer que eu vá, eu fico; quando ele quer que eu fique, eu vou”.