De Braços Abertos:
“Só é possível cuidar em liberdade”
CENTRO DE ESTUDOS EM REPARAÇÃO PSÍQUICA DE SANTA CATARINA - CERP-SC
BOLETIM INFORMATIVO N.5
BOLETIM INFORMATIVO N.5
Programas voltados a pessoas em situações diversas de vulnerabilidade estão fadados ao fracasso caso não respeitem uma condição fundamental: que a pessoa a ser cuidada esteja em liberdade.
É este o princípio fundante do De Braços Abertos, programa da Prefeitura de São Paulo destinado a usuários abusivos de álcool e drogas. “Nós temos a convicção de que só é possível cuidar em liberdade”, afirma a psicóloga e sanitarista Lumena Furtado, articuladora do programa, que ministrou a quinta aula do curso “Como lidar com os efeitos psicossociais da violência?”.
O programa, que teve início em janeiro de 2014, acontece em uma das maiores e mais conhecidas cenas de uso drogas do país: a chamada Cracolândia, existente há duas décadas e que já chegou a reunir mais de 1.500 usuários no centro da cidade de São Paulo. “A maior intervenção pública que existia nessa região era a da Polícia Militar”, conta Lumena. “Intervenção repressiva, com o objetivo de dispersar as pessoas, de tirá-las daquele lugar”. |
Para assistir à aula de Lumena Furtado, clique na imagem acima.
|
Aos seus 496 usuários, o De Braços Abertos oferece moradia na região central, alimentação, emprego e cuidados de saúde e assistência social, procurando inseri-los nos equipamentos da rede pública. Trata-se, segundo Lumena, de uma inversão da perspectiva tradicional de cuidado da população de rua usuária de drogas, na qual a moradia só costuma ser oferecida após um longo percurso de tratamento.
“Na rede de saúde, a porta de entrada para o usuário de drogas é o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e só vai para moradia quem já está sendo cuidado”, conta. “Neste programa, isso é invertido: a moradia é a porta de entrada”.
Esta inversão, garante a psicóloga, é fundamental para as pessoas que estão em situação de extrema vulnerabilidade social, cuja dificuldade de adesão a tratamentos de longo prazo é patente.
“Se você tiver o pressuposto de que a pessoa primeiro tem de se vincular ao tratamento continuado para depois oferecer moradia, você vai perder a maior parte delas”.
“Na rede de saúde, a porta de entrada para o usuário de drogas é o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e só vai para moradia quem já está sendo cuidado”, conta. “Neste programa, isso é invertido: a moradia é a porta de entrada”.
Esta inversão, garante a psicóloga, é fundamental para as pessoas que estão em situação de extrema vulnerabilidade social, cuja dificuldade de adesão a tratamentos de longo prazo é patente.
“Se você tiver o pressuposto de que a pessoa primeiro tem de se vincular ao tratamento continuado para depois oferecer moradia, você vai perder a maior parte delas”.
“COLOCAR DINHEIRO NA MÃO DOS DROGADOS”
Além da moradia, a oferta de emprego é uma dimensão fundamental do programa, que conta com 13 frentes de trabalho, como varreção, jardinagem, lavanderia, estética etc. Além de receber uma bolsa mensal, os usuários recebem cursos de formação profissional, numa combinação que, para Lumena, facilita o processo de construção de autonomia e oferece uma “porta de saída” do programa. “Quem foi trabalhar na lavanderia fez um curso, que lhes deu um certificado. Quem trabalha com estética tem cursos de manicure, cabeleireiro etc. Então, quando a pessoa sair do programa, ela terá um certificado e uma experiência no trabalho, o que ajuda na inserção no mercado.” |
Imagem aérea da Cracolândia, entre as ruas Dino Bueno e Helvétia, no centro da cidade de São Paulo (Fonte: Prefeitura de São Paulo)
|
Os críticos da proposta costumam dizer que, ao permitir que o usuário de drogas tenha liberdade de circulação e dinheiro na mão, seu destino inevitável será o uso abusivo. Segundo Lumena, a experiência do programa desmente o argumento.
“A gente foi muito criticado por ‘colocar dinheiro na mão dos drogados’: ‘Que absurdo, eles vão comprar mais drogas!’. Mas, na nossa experiência, vimos que eles compram material de limpeza, de higiene, comida etc. E quem tem filhos compra muitas coisas para os filhos”.
Segundo a prefeitura, 73% dos usuários aderiram às frentes de trabalho, 88% reduziram o uso de crack e 84%, o uso de drogas em geral.
REDUÇÃO DE DANOS
O programa trabalha na perspectiva da redução de danos, objetivando não a abstinência, mas a minimização dos danos sociais e à saúde causados pelo uso abusivo de álcool e drogas.
“Cada vez mais, a droga vai ocupando um tempo menor no cotidiano deles”, sustenta Lumena.
Segundo pesquisa realizada pela Secretaria Municipal de Assistência Social, antes de entrar no programa 65% dos beneficiários diziam passar o dia todo sob o efeito do crack; dois anos depois, esse número caiu para 5%. Analogamente, antes do tratamento apenas 3% diziam ficar pouco tempo do dia sob os efeitos. Depois, 55% afirmavam fazê-lo.
“Alguém que usava 82 pedras de crack por semana e hoje usa duas muda radicalmente a sua possibilidade de estar no mundo”, diz a psicóloga. “Quem está o dia inteiro sob o efeito da droga não consegue trabalhar, estudar, se relacionar, cuidar dos filhos”.
São também significativos os dados que, para a sanitarista, mostram “um processo de cuidado de si”: 83% dos usuários estão em tratamento continuado de saúde – como tuberculose e sífilis – e 83% conseguiram regularizar a sua documentação.
“É preciso reinventar o lugar da diferença e do cuidado”, diz Lumena. “A cidade enxerga essas pessoas como zumbis. A gente quer mostrar para a cidade que são pessoas.”
“A gente foi muito criticado por ‘colocar dinheiro na mão dos drogados’: ‘Que absurdo, eles vão comprar mais drogas!’. Mas, na nossa experiência, vimos que eles compram material de limpeza, de higiene, comida etc. E quem tem filhos compra muitas coisas para os filhos”.
Segundo a prefeitura, 73% dos usuários aderiram às frentes de trabalho, 88% reduziram o uso de crack e 84%, o uso de drogas em geral.
REDUÇÃO DE DANOS
O programa trabalha na perspectiva da redução de danos, objetivando não a abstinência, mas a minimização dos danos sociais e à saúde causados pelo uso abusivo de álcool e drogas.
“Cada vez mais, a droga vai ocupando um tempo menor no cotidiano deles”, sustenta Lumena.
Segundo pesquisa realizada pela Secretaria Municipal de Assistência Social, antes de entrar no programa 65% dos beneficiários diziam passar o dia todo sob o efeito do crack; dois anos depois, esse número caiu para 5%. Analogamente, antes do tratamento apenas 3% diziam ficar pouco tempo do dia sob os efeitos. Depois, 55% afirmavam fazê-lo.
“Alguém que usava 82 pedras de crack por semana e hoje usa duas muda radicalmente a sua possibilidade de estar no mundo”, diz a psicóloga. “Quem está o dia inteiro sob o efeito da droga não consegue trabalhar, estudar, se relacionar, cuidar dos filhos”.
São também significativos os dados que, para a sanitarista, mostram “um processo de cuidado de si”: 83% dos usuários estão em tratamento continuado de saúde – como tuberculose e sífilis – e 83% conseguiram regularizar a sua documentação.
“É preciso reinventar o lugar da diferença e do cuidado”, diz Lumena. “A cidade enxerga essas pessoas como zumbis. A gente quer mostrar para a cidade que são pessoas.”