“O manicômio é dispensável e pode ser completamente abolido”,
diz criador do Paili
CENTRO DE ESTUDOS EM REPARAÇÃO PSÍQUICA DE SANTA CATARINA - CERP-SC
BOLETIM INFORMATIVO N.11
BOLETIM INFORMATIVO N.11
Não existe nenhuma situação que justifique a internação do louco infrator em manicômios judiciários no lugar de sua inserção na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) para ser cuidado em liberdade.
A defesa desta proposição, na teoria e na prática, organizou a segunda aula do Módulo II do curso “Como lidar com os efeitos psicossociais da violência”, ministrada pelo promotor de Justiça do Ministério Público de Goiás Haroldo Caetano.
Na teoria, pois Haroldo reconstituiu a origem histórica dos pensamentos que tentam fundamentar a escolha pela internação asilar do louco infrator. Na prática, pois o promotor é também o criador do Paili (Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator) que acabou com a internação asilar manicomial em todo o Estado de Goiás.
A defesa desta proposição, na teoria e na prática, organizou a segunda aula do Módulo II do curso “Como lidar com os efeitos psicossociais da violência”, ministrada pelo promotor de Justiça do Ministério Público de Goiás Haroldo Caetano.
Na teoria, pois Haroldo reconstituiu a origem histórica dos pensamentos que tentam fundamentar a escolha pela internação asilar do louco infrator. Na prática, pois o promotor é também o criador do Paili (Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator) que acabou com a internação asilar manicomial em todo o Estado de Goiás.
“PERIGOSO NÃO É O LOUCO, É O DIREITO PENAL”
“Há instituições manicomiais em todo o Brasil. Se não propriamente um hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, que é o manicômio judiciário, pelo menos uma ala no presídio, uma cela específica dentro da cadeia, onde o louco infrator é colocado e ali mantido, normalmente para o resto de sua vida”, relata Haroldo. Um censo realizado em 2011 indicou a existência de quase 4 mil pessoas internadas em estabelecimentos de custódia e tratamento psiquiátrico em todo o Brasil (clique aqui e acesse o estudo completo). Em Santa Catarina, eram 131 pessoas, o que correspondia a 15% dos internados da Região Sul. |
Assista aqui à primeira parte da aula de Haroldo Caetano.
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Mas todas estas internações, sustenta, não apenas são indesejáveis e danosas, como são ilegais e inconstitucionais.
“Até a vigência do Código de 1940, o louco era simplesmente absolvido, por se considerar que ele não tinha consciência de seu ato”, explica Haroldo. “Hoje, o juiz absolve o louco da culpabilidade do ato, mas ao mesmo tempo impõe a ele uma medida de segurança, determinando que ele seja internado em manicômio judicial por sua suposta periculosidade”, explica.
Ocorre que, desde 2001, a Lei 10.216, conhecida como Lei Antimanicomial, estabelece que “é vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares”.
“É vedada, é proibida”, destaca o promotor. “Entretanto, juízes do Brasil inteiro ainda mandam gente para o manicômio judiciário”.
Haroldo vai mais longe. Como submeter uma pessoa a uma medida de segurança sem que haja previsão legal constitui crime previsto na Lei de Tortura, promotores e juízes que pedem e determinam essas internações deveriam ser penalizados.
“Ora, se nós temos um dispositivo legal que proíbe a internação em instituição asilar e, ainda assim, um juiz manda internar em manicômio judiciário, ele pratica um crime”. “E não é um crime qualquer: é um crime de tortura, inafiançável e imprescritível”.
Ao longo de sua exposição, o palestrante procurou demonstrar ainda a inanidade teórica do conceito de periculosidade, que justificaria a internação do louco infrator.
“Perigoso não é o louco, é o direito penal, que se baseia no preconceito e em conceitos insustentáveis para fazer valer a internação manicomial como solução”.
“Até a vigência do Código de 1940, o louco era simplesmente absolvido, por se considerar que ele não tinha consciência de seu ato”, explica Haroldo. “Hoje, o juiz absolve o louco da culpabilidade do ato, mas ao mesmo tempo impõe a ele uma medida de segurança, determinando que ele seja internado em manicômio judicial por sua suposta periculosidade”, explica.
Ocorre que, desde 2001, a Lei 10.216, conhecida como Lei Antimanicomial, estabelece que “é vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares”.
“É vedada, é proibida”, destaca o promotor. “Entretanto, juízes do Brasil inteiro ainda mandam gente para o manicômio judiciário”.
Haroldo vai mais longe. Como submeter uma pessoa a uma medida de segurança sem que haja previsão legal constitui crime previsto na Lei de Tortura, promotores e juízes que pedem e determinam essas internações deveriam ser penalizados.
“Ora, se nós temos um dispositivo legal que proíbe a internação em instituição asilar e, ainda assim, um juiz manda internar em manicômio judiciário, ele pratica um crime”. “E não é um crime qualquer: é um crime de tortura, inafiançável e imprescritível”.
Ao longo de sua exposição, o palestrante procurou demonstrar ainda a inanidade teórica do conceito de periculosidade, que justificaria a internação do louco infrator.
“Perigoso não é o louco, é o direito penal, que se baseia no preconceito e em conceitos insustentáveis para fazer valer a internação manicomial como solução”.
Assista aqui à segunda parte da aula sobre o Paili
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O PROGRAMA DE ATENÇÃO INTEGRAL AO LOUCO INFRATOR
Criado em 2006, o Paili acabou com as internações asilares por medida de segurança em todo o Estado de Goiás. “Na prática, o Paili acaba com a medida de segurança, acaba com a figura do manicômio judiciário e retira do juiz a autoridade clínica, de mandar internar ou desinternar”. Quando um magistrado goiano aplica uma medida de segurança a um louco infrator, o Paili imediatamente retira a pessoa do local da internação, coloca-a em liberdade e a insere na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). |
“Em um primeiro momento, ele pode ser internado na RAPS. Em seguida, ele é desinternado e colocado em tratamento ambulatorial pelo próprio programa, sem precisar passar por juiz ou promotor e sem necessidade de pedido de defensor público”.
Desde 2010, o Paili extinguiu também a figura da periculosidade, substituindo o laudo de cessação de periculosidade por um laudo de avaliação psicossocial.
“Ao fazer essa avaliação, o juiz não quer saber se o sujeito é perigoso, se vai praticar crime. Ele quer saber se ele tem família, se está sendo atendido no CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), se está tomando medicamento, se trabalha, com quem mora, como se articula a rede para atendê-lo etc”.
O juiz também não interfere mais na decisão de internação. “Juiz não é médico. Essa decisão é exclusiva dos profissionais da saúde”.
Após a avaliação psicossocial, é feita a chamada liberação condicional e, depois de um ano, extingue-se a medida de segurança. “É como se nós fizéssemos uma simulação, um faz-de-conta de que existe uma medida de segurança sendo executada. Mas, na prática, ela não existe mais”.
REDE DEFICITÁRIA
Mas é possível fazer isso mesmo em estados nos quais a RAPS é deficitária?
“Sabe quantos CAPS havia em todo o estado de Goiás quando o Paili foi instituído?”, pergunta o promotor. “Cinco, para uma população de 6 milhões de habitantes. Com essa rede precária e insuficiente foi instituído o mais avançado programa de atendimento a esse público”.
Embora a estruturação da rede seja importante, o fim da internação asilar, diz Haroldo, deve ser visto como “uma decisão de cunho ético” e não deve depender dela. “Se a gente fosse esperar a rede ser constituída em Goiás, até hoje estaríamos mandando o louco infrator para a cadeia”, afirma.
“Essas pessoas carecem de atendimento em saúde mental, como qualquer pessoa carece de atendimento em saúde mental. E se a rede é ruim para a população em geral, vai ser ruim para eles também. Mas é a rede”.
O fim da internação asilar contribui ainda para tirar o problema da invisibilidade e pressionar pela melhoria dos serviços.
“Quando você não tem a resposta manicomial, quando não tem o tapete para jogar a sujeira embaixo, tem que dar uma solução”, diz. “Nós não vamos ter mais a desculpa da periculosidade para colocar esses sujeitos na invisibilidade do manicômio, para morrerem no manicômio”.
ESTATÍSTICAS EXPRESSIVAS
Desde 2006, o Paili já atendeu 554 usuários, estando 341 em atendimento neste momento. A taxa de reincidência é de 5%, tendo sido registrados apenas dois episódios de reincidência com morte.
“Do ponto de vista estatístico, o sucesso do programa é bastante expressivo. No regime de encarceramento, a reincidência é muito mais alta e muito mais violenta”, diz Haroldo.
E estes números foram garantidos com uma estrutura relativamente pequena. Para todo o estado de Goiás, o Paili conta com uma equipe de 5 psicólogos, 1 psiquiatra, 3 enfermeiros, 2 assistentes sociais e 1 terapeuta ocupacional.
“A internação asilar em manicômio judiciário não é capaz de produzir absolutamente nada de positivo: nem para o indivíduo que para lá vai e, muito menos, para a sociedade que faz uso dessa prática”, resume Haroldo. “O manicômio é dispensável e pode ser completamente abolido”.
Desde 2010, o Paili extinguiu também a figura da periculosidade, substituindo o laudo de cessação de periculosidade por um laudo de avaliação psicossocial.
“Ao fazer essa avaliação, o juiz não quer saber se o sujeito é perigoso, se vai praticar crime. Ele quer saber se ele tem família, se está sendo atendido no CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), se está tomando medicamento, se trabalha, com quem mora, como se articula a rede para atendê-lo etc”.
O juiz também não interfere mais na decisão de internação. “Juiz não é médico. Essa decisão é exclusiva dos profissionais da saúde”.
Após a avaliação psicossocial, é feita a chamada liberação condicional e, depois de um ano, extingue-se a medida de segurança. “É como se nós fizéssemos uma simulação, um faz-de-conta de que existe uma medida de segurança sendo executada. Mas, na prática, ela não existe mais”.
REDE DEFICITÁRIA
Mas é possível fazer isso mesmo em estados nos quais a RAPS é deficitária?
“Sabe quantos CAPS havia em todo o estado de Goiás quando o Paili foi instituído?”, pergunta o promotor. “Cinco, para uma população de 6 milhões de habitantes. Com essa rede precária e insuficiente foi instituído o mais avançado programa de atendimento a esse público”.
Embora a estruturação da rede seja importante, o fim da internação asilar, diz Haroldo, deve ser visto como “uma decisão de cunho ético” e não deve depender dela. “Se a gente fosse esperar a rede ser constituída em Goiás, até hoje estaríamos mandando o louco infrator para a cadeia”, afirma.
“Essas pessoas carecem de atendimento em saúde mental, como qualquer pessoa carece de atendimento em saúde mental. E se a rede é ruim para a população em geral, vai ser ruim para eles também. Mas é a rede”.
O fim da internação asilar contribui ainda para tirar o problema da invisibilidade e pressionar pela melhoria dos serviços.
“Quando você não tem a resposta manicomial, quando não tem o tapete para jogar a sujeira embaixo, tem que dar uma solução”, diz. “Nós não vamos ter mais a desculpa da periculosidade para colocar esses sujeitos na invisibilidade do manicômio, para morrerem no manicômio”.
ESTATÍSTICAS EXPRESSIVAS
Desde 2006, o Paili já atendeu 554 usuários, estando 341 em atendimento neste momento. A taxa de reincidência é de 5%, tendo sido registrados apenas dois episódios de reincidência com morte.
“Do ponto de vista estatístico, o sucesso do programa é bastante expressivo. No regime de encarceramento, a reincidência é muito mais alta e muito mais violenta”, diz Haroldo.
E estes números foram garantidos com uma estrutura relativamente pequena. Para todo o estado de Goiás, o Paili conta com uma equipe de 5 psicólogos, 1 psiquiatra, 3 enfermeiros, 2 assistentes sociais e 1 terapeuta ocupacional.
“A internação asilar em manicômio judiciário não é capaz de produzir absolutamente nada de positivo: nem para o indivíduo que para lá vai e, muito menos, para a sociedade que faz uso dessa prática”, resume Haroldo. “O manicômio é dispensável e pode ser completamente abolido”.