Fábio Franco: "É necessário pensar o desaparecimento
como um problema político"
CENTRO DE ESTUDOS EM REPARAÇÃO PSÍQUICA DE SANTA CATARINA - CERP-SC
BOLETIM INFORMATIVO N.25
BOLETIM INFORMATIVO N.25
O devido enfrentamento ao desaparecimento, que exige a implicação das instituições estatais competentes e a criação de políticas públicas adequadas, só ocorrerá se formos capazes de entendê-lo como um fenômeno de natureza política.
A proposição é do filósofo Fábio Franco, que já atuou no enfrentamento desta questão tanto no Governo Federal – como consultor da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos –, quanto em âmbito municipal, como assessor da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, na Prefeitura de São Paulo.
“Os desaparecimentos envolvem uma dimensão política irrecusável”, postula. “Não é culpa da família, não é culpa deste ou daquele órgão. Os desaparecimentos decorrem de uma relação complexa entre estruturas que desempenham funções importantes na administração social”.
Trata-se de um problema de grandes proporções no Brasil: entre 2007 e 2016, foram registrados 693.076 boletins de ocorrência por desaparecimento. São 190 pessoas desaparecidas por dia, 8 por hora. Os dados são do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Comitê internacional da Cruz Vermelha.
A exposição do filósofo, contudo, parte de uma questão fundamental: o que é o desaparecimento?
A proposição é do filósofo Fábio Franco, que já atuou no enfrentamento desta questão tanto no Governo Federal – como consultor da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos –, quanto em âmbito municipal, como assessor da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, na Prefeitura de São Paulo.
“Os desaparecimentos envolvem uma dimensão política irrecusável”, postula. “Não é culpa da família, não é culpa deste ou daquele órgão. Os desaparecimentos decorrem de uma relação complexa entre estruturas que desempenham funções importantes na administração social”.
Trata-se de um problema de grandes proporções no Brasil: entre 2007 e 2016, foram registrados 693.076 boletins de ocorrência por desaparecimento. São 190 pessoas desaparecidas por dia, 8 por hora. Os dados são do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Comitê internacional da Cruz Vermelha.
A exposição do filósofo, contudo, parte de uma questão fundamental: o que é o desaparecimento?
TENTATIVAS DE CATEGORIZAÇÃO
O conceito de desaparecimento, diz Franco, apesar de em um primeiro momento parecer óbvio, é difícil e problemático. “A literatura sobre o desaparecimento tentou estabelecer uma classificação mínima das situações de desaparecimento”, diz. “Mas essa classificação é problemática e está longe de ser aceita por todos os estudiosos e debatedores do assunto”. Tradicionalmente, divide-se os desaparecimentos em três categorias: voluntário, involuntário e forçado. |
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Por desaparecimento voluntário, entende-se aquele em que a pessoa se afasta por vontade própria e sem avisar. O desaparecimento seria, então, um fato desejado pelo desaparecido.
Quando a pessoa é afastada por um evento sobre o qual não tem controle, fala-se em desaparecimento involuntário. “A pessoa sofre um acidente, o corpo é carbonizado, os documentos são perdidos, o cadáver não é reclamado pela família, que não sabe onde ele se encontra”, exemplifica Franco.
Já o desaparecimento forçado ocorreria quando outras pessoas provocam o afastamento, de forma a coagir o desaparecido. Trata-se de um desaparecimento ativamente produzido por agentes do Estado ou por organizações políticas.
CATEGORIAS QUE SE EMBARALHAM
Mas a tipologia dos desaparecimentos torna-se ainda mais complexa quando, às categorias acima descritas, soma-se outra categorização: a dos desaparecimentos político, civil e administrativo.
Assim, fala-se em desaparecimento político quando ocorre a prisão, detenção ou sequestro de pessoas por um Estado ou organização política, seguidos da negativa de informar sobre a privação de liberdade ou dar informações sobre o paradeiro dessas pessoas.
“No Brasil, assim como em outros países da América Latina, essa categoria é utilizada sobretudo para se referir ao desaparecimento de militantes resistentes políticos à ditadura”, lembra Franco.
Para distinguir o desaparecimento político de outras formas de desaparecimento, criou-se a categoria do desaparecimento civil, que ocorreria quando a pessoa sai de seu ambiente de convivência para realizar qualquer atividade cotidiana, não anuncia a sua intenção de partir e jamais retorna.
Por fim, fala-se em desaparecimento administrativo quando a própria burocracia estatal provoca o desaparecimento, que decorre da falta de preenchimento de dados, do não arquivamento ou da perda de informações.
“Aqui a ação intencional do agente de Estado não necessariamente está presente”, nota Franco. “O desaparecimento se dá de maneira não-intencional, indireta, como em um erro de preenchimento de um formulário, seja porque o funcionário está trabalhando sob condições precárias, seja porque os protocolos não são claros”.
Quando a pessoa é afastada por um evento sobre o qual não tem controle, fala-se em desaparecimento involuntário. “A pessoa sofre um acidente, o corpo é carbonizado, os documentos são perdidos, o cadáver não é reclamado pela família, que não sabe onde ele se encontra”, exemplifica Franco.
Já o desaparecimento forçado ocorreria quando outras pessoas provocam o afastamento, de forma a coagir o desaparecido. Trata-se de um desaparecimento ativamente produzido por agentes do Estado ou por organizações políticas.
CATEGORIAS QUE SE EMBARALHAM
Mas a tipologia dos desaparecimentos torna-se ainda mais complexa quando, às categorias acima descritas, soma-se outra categorização: a dos desaparecimentos político, civil e administrativo.
Assim, fala-se em desaparecimento político quando ocorre a prisão, detenção ou sequestro de pessoas por um Estado ou organização política, seguidos da negativa de informar sobre a privação de liberdade ou dar informações sobre o paradeiro dessas pessoas.
“No Brasil, assim como em outros países da América Latina, essa categoria é utilizada sobretudo para se referir ao desaparecimento de militantes resistentes políticos à ditadura”, lembra Franco.
Para distinguir o desaparecimento político de outras formas de desaparecimento, criou-se a categoria do desaparecimento civil, que ocorreria quando a pessoa sai de seu ambiente de convivência para realizar qualquer atividade cotidiana, não anuncia a sua intenção de partir e jamais retorna.
Por fim, fala-se em desaparecimento administrativo quando a própria burocracia estatal provoca o desaparecimento, que decorre da falta de preenchimento de dados, do não arquivamento ou da perda de informações.
“Aqui a ação intencional do agente de Estado não necessariamente está presente”, nota Franco. “O desaparecimento se dá de maneira não-intencional, indireta, como em um erro de preenchimento de um formulário, seja porque o funcionário está trabalhando sob condições precárias, seja porque os protocolos não são claros”.
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Ocorre que, na prática, todas essas categorias acabam por se misturar, sendo difícil encontrar um caso de desaparecimento totalmente voluntário, involuntário ou forçado.
“Quando há um evento que produz o desaparecimento de alguém, não existem questões políticas envolvidas? Não existe algo da ordem da burocracia ou da administração que não opera e permite esse desaparecimento?”, questiona Fábio. “Quando um adulto sai de casa por causa de sua orientação sexual, em virtude da qual ele sofria violências, esse sujeito desapareceu porque quis? A violência que ele sofre em razão de sua orientação sexual não é de ordem política?”. |
TODO DESAPARECIMENTO É POLÍTICO
Em última instância, propõe o filósofo, todos os desaparecimentos possuem uma dimensão política importante que não deve ser ignorada, sob pena de não conseguirmos compreendê-los e enfrentá-los devidamente.
“É necessário pensar o desaparecimento como um problema político. Existe uma política do desaparecimento e o desaparecimento é um fenômeno político”.
Para dar conta da complexidade do modo como o fenômeno se apresenta na realidade, o filósofo lança mão do conceito de “dispositivos de desaparecimento”.
Um dispositivo, explica, é um conjunto variado de elementos discursivos (enunciados políticos, científicos, morais, legislações e regulamentações etc.) e não discursivos (instituições, medidas administrativas, organizações arquiteturais, tecnologias etc.) que cumprem uma função estratégica na administração social, produzindo formas de pensar, sentir e agir.
Em última instância, propõe o filósofo, todos os desaparecimentos possuem uma dimensão política importante que não deve ser ignorada, sob pena de não conseguirmos compreendê-los e enfrentá-los devidamente.
“É necessário pensar o desaparecimento como um problema político. Existe uma política do desaparecimento e o desaparecimento é um fenômeno político”.
Para dar conta da complexidade do modo como o fenômeno se apresenta na realidade, o filósofo lança mão do conceito de “dispositivos de desaparecimento”.
Um dispositivo, explica, é um conjunto variado de elementos discursivos (enunciados políticos, científicos, morais, legislações e regulamentações etc.) e não discursivos (instituições, medidas administrativas, organizações arquiteturais, tecnologias etc.) que cumprem uma função estratégica na administração social, produzindo formas de pensar, sentir e agir.
“O desaparecimento é resultado deste conjunto de coisas: legislações, protocolos, discursos, tecnologias, instituições, estruturas. E o desaparecimento cumpre um papel na gestão da sociedade”.
E o desaparecimento político, explica Franco, não promove apenas o desaparecimento do indivíduo: ele também promove o desaparecimento do poder que fez desaparecer. “Porque nenhuma informação é produzida, ninguém é considerado responsável pelo desaparecimento, não há qualquer indício concreto de que o desaparecimento foi perpetrado. É uma forma de desaparecer com a própria intervenção ilegal do Estado”. |
OBSTÁCULOS AO ENFRENTAMENTO
Há ainda algumas condições que contribuem para a manutenção do que Franco chama de “política do desaparecimento”, como o chamado “mito das 24 ou 48 horas”.
É comum, conta o pesquisador, escutar que se deve esperar 24 ou 48 horas para que a família do desaparecido possa fazer um Boletim de Ocorrência. Esta orientação, entretanto, é falsa.
“Isso é um mito porque o encontro do desaparecido é mais possível nas primeiras horas após o desaparecimento, quando a pessoa está mais próxima”, explica. “Não se pode esperar 24 ou 48 horas para se fazer um BO, porque depois deste tempo muita coisa já aconteceu e o reencontro se torna mais difícil”.
Franco cita ainda a desvalorização do fenômeno do desaparecimento e a delegação da responsabilidade para a família, discursos que convertem o desaparecimento em um problema moral e desresponsabilizam o Estado.
“O caso aparece na maioria das vezes como um “caso atípico”, um “problema de família". Fala-se que pessoa desapareceu porque “a família não soube cuidar", ou porque "afinal de contas, a gente sabe como é a juventude", ou então “por causa do problema do álcool”.
A essa desvalorização do fenômeno, somam-se ainda a inexistência ou insuficiência dos registros e a não-comunicabilidade entre os bancos de dados das diversas instituições competentes, tais como hospitais, delegacias e IMLs.
“Há subnotificação tanto de desaparecimentos quanto de reencontros. Porque a população não sabe como proceder: com quem falar, onde ir, a quem procurar. Eu vou primeiro no hospital ou no IML?”, exemplifica.
A CARTILHA DE ENFRENTAMENTO AO DESAPARECIMENTO
Há ainda algumas condições que contribuem para a manutenção do que Franco chama de “política do desaparecimento”, como o chamado “mito das 24 ou 48 horas”.
É comum, conta o pesquisador, escutar que se deve esperar 24 ou 48 horas para que a família do desaparecido possa fazer um Boletim de Ocorrência. Esta orientação, entretanto, é falsa.
“Isso é um mito porque o encontro do desaparecido é mais possível nas primeiras horas após o desaparecimento, quando a pessoa está mais próxima”, explica. “Não se pode esperar 24 ou 48 horas para se fazer um BO, porque depois deste tempo muita coisa já aconteceu e o reencontro se torna mais difícil”.
Franco cita ainda a desvalorização do fenômeno do desaparecimento e a delegação da responsabilidade para a família, discursos que convertem o desaparecimento em um problema moral e desresponsabilizam o Estado.
“O caso aparece na maioria das vezes como um “caso atípico”, um “problema de família". Fala-se que pessoa desapareceu porque “a família não soube cuidar", ou porque "afinal de contas, a gente sabe como é a juventude", ou então “por causa do problema do álcool”.
A essa desvalorização do fenômeno, somam-se ainda a inexistência ou insuficiência dos registros e a não-comunicabilidade entre os bancos de dados das diversas instituições competentes, tais como hospitais, delegacias e IMLs.
“Há subnotificação tanto de desaparecimentos quanto de reencontros. Porque a população não sabe como proceder: com quem falar, onde ir, a quem procurar. Eu vou primeiro no hospital ou no IML?”, exemplifica.
A CARTILHA DE ENFRENTAMENTO AO DESAPARECIMENTO
Para informar de modo claro e rápido as pessoas que estão lidando com um caso de desaparecimento, foi criada a Cartilha de Enfrentamento ao Desaparecimento.
“É uma cartilha feita em uma linguagem bastante acessível, que explica desde o que é o desaparecimento, até o papel de cada uma das instituições envolvidas no processo de busca”, explica Franco, um dos responsáveis pela elaboração do material. Na cartilha, um fluxograma apresenta o passo-a-passo que alguém deve seguir em caso de desaparecimento. Cada passo possui ainda um detalhamento, com destaque para os direitos dos familiares do desaparecido. “Trata-se de um fluxo que aumenta, que maximiza as possibilidades de reencontro”, afirma. “A informação é um elemento central em toda e qualquer política de enfrentamento ao desaparecimento.” |
Para a elaboração da cartilha, capitaneada pela Prefeitura de São Paulo, diversas pastas do município e outras instituições públicas tiveram de se sentar à mesma mesa. As secretarias municipais de Direitos Humanos, de Saúde e de Assistência Social, assim como o Ministério Público Estadual e o Serviço Funerário participaram do processo.
“Esta iniciativa mostra como a politização da pauta do desaparecimento produz a implicação destes organismos na efetivação de políticas locais de enfrentamento”, destaca Franco. “Isso é politizar o desaparecimento”.
“Esta iniciativa mostra como a politização da pauta do desaparecimento produz a implicação destes organismos na efetivação de políticas locais de enfrentamento”, destaca Franco. “Isso é politizar o desaparecimento”.